Jesus Cristo é o tema unificador da Bíblia inteira: Para quem é cristão, nada de polêmica nessa afirmação. João 5.39 e Lc 24.44-48 não deixam dúvida, e podemos citar ainda outras passagens. Mas na prática, frequentemente caímos no erro de ler o Antigo Testamento como se não tivesse nada a ver com Jesus. Segue um exemplo para nossa reflexão.

“Seja somente forte e muito corajoso” (Js 1.7a). Quantas vezes alguém já te disse isso? Esta frase entrou para a lista de ‘exortações bíblicas infalíveis’. Então quando abrimos Josué 1, chegamos ‘já sabendo’ que essa será a grande conclusão e aplicação do sermão ou estudo. 

Esse ‘já sei’ é fatal; fecha nossos ouvidos, cega nossos olhos. Pois quem lê o texto com cuidado percebe que ele está repleto de evidências que apontam a uma outra conclusão.

É um momento decisivo no enredo da Bíblia. Dois milhões de israelitas estão acampados ao lado oriental do rio Jordão. Moisés, o grande líder, acabou de falecer, e Josué é o homem escolhido para sucedê-lo. Josué – um homem entre tantos! – é quem conduzirá a descendência de Abraão à terra de Canaã e ao cumprimento da antiga promessa (Gn 12.1, 15.7, etc). 

Deus fala com Josué (vv1-9), depois Josué fala com o povo (vv10-15), e por fim as tribos que pediram herança no lado leste do rio respondem ao novo líder (v16-18): “Faremos tudo que você ordenar... obedeceremos a você como obedecemos a Moisés... somente seja forte e corajoso!” 

Pela sua maneira de contar a história, o autor deixa muito claro que quem precisa ser forte e corajoso é o Josué. Aos seiscentos mil outros homens cabe confiar e obedecer ao líder. Mas por alguma razão (ilusões de grandeza, talvez), imaginamos que nessa história nós somos Josué. E assim, deixamos de receber a ‘consolação das Escrituras’ (Rm 15.4) que pode fortalecer nossos corações.

A história do povo de Israel é como uma maquete, ou encenação, cujo propósito na Bíblia é nos ajudar a compreender nossa própria história de redenção. Diversas vezes os apóstolos lançam mão da experiência daquela geração para descrever a caminhada do cristão rumo à nova criação. “Ainda resta um descanso sabático” (Hb 4.9) “para nós, sobre quem tem chegado o fim dos tempos” (1 Co 10.11). O que cabe a nós é justamente o que coube aos israelitas à beira do rio Jordão: crer naquele que Deus enviou (Jo 6.29).

O Espírito nos deu Josué 1 para fortalecer nossa fé em Jesus. O segredo não está muito bem escondido, pois os dois têm até o mesmo nome! (‘Jesus’ é a forma grega de ‘Josué’; ambos significam ‘o Senhor salva’.) Em Josué 1 o Evangelho é que um dia, muitos anos depois, todo o destino de um povo inteiro estaria sobre os ombros de um outro Josué. Este homem seria o pioneiro, abrindo o caminho para a terra prometida. Ele teria que meditar dia e noite nas escrituras, para cumprir plenamente toda a vontade de Deus, sem se desviar para a esquerda ou a direita. Ele precisaria ser forte e corajoso. Mas Deus estaria com ele. 

Esse dia já veio, e esse ‘Josué’ cumpriu à risca sua missão. Ele foi absolutamente fiel. Ele foi forte e muito corajoso diante da mais severa tentação, oposição e hostilidade. Ele ‘atravessou o rio’ e ‘entrou na terra prometida’. Glória a Deus!

É claro que há momentos em que o cristão precisa imitar Jesus com essa mesma força e essa mesma coragem. Mas se quiser exortar um irmão neste sentido, por favor, use Dt 31.6. Não ofusque a glória do Salvador, cuja força e coragem assegurou vida eterna para uma multidão. Em Josué 1 o herói é Jesus, e a nós cabe celebrar com gratidão sua obra. Ele já cumpriu sua parte. Agora só falta imitarmos a fé de quem declarou: “Faremos tudo que você ordenar e iremos aonde nos enviar.”

Philip Rout 

30/06/2021