Pastoreando na Pandemia
“ Consolem, consolem o meu povo, diz o Deus de vocês ” (Isaías 40.1)
Esses dias conversando com alguns colegas de ministério e alguns presbíteros, fiz uma brincadeira, disse que depois dessa quarentena eu precisaria de umas boas férias. Poucas vezes na vida vi-me tão ocupado e tão preocupado com as minhas tarefas e responsabilidades pastorais. Não foram poucas as noites que eu perdi o sono e me vi perguntando como estaria aquela ovelha viúva, solitária. Como seria a noite daquele idoso, em tratamento rigoroso contra uma enfermidade severa, não o COVID-19. A saudade doída dos avós impedidos de acariciarem os seus netos e filhos que não podiam abraçar os pais. Não foram poucas as vezes que sentei para almoçar e enquanto dava graças, fui assaltado pela lembrança de irmãos que poderiam estar passando alguma necessidade básica como alimento e remédio por exemplo.
Em minhas devocionais perdi a conta de quantas vezes revisei a listagem do rol de membros da igreja para ver se não tinha pulado o nome de alguém. Confesso que até a minha leitura bíblica sofreu alguma alteração nesses dias. Lia a Palavra de Deus na esperança de encontrar um texto, uma perícope, um versículo que pudesse consolar, encorajar, jogar luz nesse momento difícil de nossa história. Um texto que aguçou e muito a minha perspectiva sobre o que eu poderia e deveria fazer nesse momento foi ler e entender o significado dos paramentos sacerdotais de Aarão, que deveria carregar no peitoral, no simbolismo das pedras, junto ao seu coração, a lembrança-presença das tribos de Israel:
"Toda vez que Arão entrar no Lugar Santo, levará os nomes dos filhos de Israel sobre o seu coração no peitoral de decisões, como memorial permanente perante o Senhor” (Êx 28.29).
Depois disso passei a intensificar o ministério de intercessor, lembrando nominalmente de cada membro da igreja, procurando me recordar de cada história e contexto vital e suplicar por cada demanda em seu contexto . Em um desses dias, quando o templo estava aberto para a limpeza semanal com a solitária presença de nossa auxiliar diarista, uma vez que não há expediente por conta do afastamento social, resolvi entrar e me acomodei na cadeira presidencial, no púlpito. Lá fiz o exercício mental de buscar o rosto dos meus irmãos, que costumam sentar quase sempre nos mesmos lugares e orei mais uma vez, isso me fez sentir como nunca, ser pastor de um povo concreto.
Um outro expediente abençoado e abençoador tem sido a gravação diária de uma devocional. Em cada dia procuro transmitir a ideia de que ninguém está realmente só, estamos juntos, sempre! A igreja não está dispersa, está organizada de uma maneira diferente, mas tanto a adoração, quanto a missão, estão a todo vapor. Em cada devocional procuro ser o mais pessoal e o mais natural possível. Também para demonstrar que pastorear é fazer-se presente para consolar os tristes, encorajar os temorosos, amparar os enfraquecidos, estimular os mais fortes a perseverarem no amor e a desafiar a igreja a dar uma resposta de esperança e de paz para um mundo amedrontado e confuso. Desafiar os irmãos a se engajarem como e quando puderem nas muitas necessidades e causas desses dias .
Mas, há um outro papel do pastor, esse menos confortável, porém necessário, que é preparar os crentes para a possibilidade da morte e a não temerem. Ensinar a Igreja a glorificar a Deus também nesse momento e através da dor. Evidentemente que oramos para que o Senhor nos livre de tal acometimento, mas nem o pastor, nem o crente podem ignorar a possibilidade. Com isso, em cada devocional, procuro fazer com que cada membro descanse nos juízos santos, sábios, perfeitos e agradáveis do Eterno e a confiarem em seu Rei e Senhor Jesus Cristo, cujo reinado é inabalável.
Com a limitação da dinâmica social, as redes sociais se tornaram verdadeiros espaços de comunhão, em muitos casos, verdadeiros gabinetes pastorais e em alguns momentos até, algo muito parecido com um confessionário. Nunca o celular e o notebook foram tão decisivos e tão eficientes no cuidado pessoal e comunitário do povo de Deus, o smartphone e o computador servem de versões modernas do cajado pastoral . E o que falar das “lives” e transmissões online? Claro que não substituem o culto solene e o ajuntamento do povo de Deus. Mas, resta evidente, que passada essa fase crítica e quando aprendermos a conviver com o vírus até que a cura chegue, ainda usaremos esses recursos suplementares ao culto presencial para assistir os nossos irmãos do grupo de risco ou os mais vulneráveis.
Mas, não é tudo, o cristianismo é uma experiência afetiva e o pastorado é feito de afeições santificadas que devem ser demonstradas sempre que possível. Por isso, vez ou outra, sem proximidade ou contato, sem adentrar às residências e devidamente resguardado, passo pelas casas e da calçada, contemplo a face das minhas ovelhinhas, deixo uma porção das Escrituras, uma oração e a bênção. E assim, no meio dessa pandemia, usando a criatividade e a tecnologia, contando com a compreensão e o reconhecimento de muitos irmãos, Cristo, por meio dos seus limitados cooperadores, exerce o cuidado pastoral e passa pelas vidas tocando-as com a sua graça.
A pandemia é uma belíssima especialização já com estágio para a Teologia e a prática do ministério pastoral. Que cada pastor traga consigo o “peitoral de Arão” e que o povo de Deus esteja sempre em seu coração quando comparecer na presença do Supremo Pastor.