Estação Caverna

Luiz Fernando Areas
24/4/2019
Hermenêutica

"Ele é como a árvore plantada à margem do rio, que dá seu fruto no tempo certo."(Salmo 1.2)

Tal como a Sabedoria no livro de Provérbios, que convida a todos a mergulharem no grande oceano do saber divino,o Saltério (livro dos Salmos) chama todos para se deleitarem no rico banquete da presença de Deus (Sl 63.5). que nos instrui (Salmo 32.8), nos vê e ouve, tanto nossas orações (Salmo 34.15) quanto desabafos (Sl 35.4-6) e desatinos (Sl 39.13), refrigera-nos a alma (Sl 23.3), além de diversas outras bênçãos.

Os Salmos nos ajudam a conhecer melhor a Deus e a nós mesmos, especialmente nossas emoções. Calvino escreveu: “Tenho por costume chamar este livro - e creio não de forma incorreta - de: Uma Anatomia de Todas as Partes da Alma", pois não há sequer uma emoção da qual alguém porventura tenha participado que não esteja aí representada como num espelho”. Assim como um espelho nos ajuda ver como estamos do lado de fora, os Salmos nos ajudam a encontrar palavras para expressar o que está acontecendo lá dentro.

A Bíblia compara a vida a uma jornada:

"A vida de vocês é uma jornada que deve ser empreendida com uma profunda consciência de Deus." (1 Pedro 1.18, A Mensagem)

E a viagem do Trem da Vida é povoada de todo o tipo de estações. Nessa jornada, há estações agradáveis,de descanso e refrigério. Fazem parte dela estações mais tensas e agitadas, como a da Sé, estação central de São Paulo, onde milhares de desconhecidos se colidem e se espremem todo dia, dividindo uma paradoxal sensação de multidão e solidão. Ao longo do trajeto, estrategicamente distribuídas, estão as estações de aniversários, sempre nos convidando à reflexão, a olharmos para trás e para adiante da jornada (Salmo 90.12).

Essa viagem também é contemplada por paradas não planejadas. Uma dessas, presente nas Escrituras, é a “Estação Caverna”, peculiar interrupção que tem o poder de subverter agendas, suspender projetos e sabotar prioridades. Nessa estação, os sentimentos emergem e o coração é exposto. Questionamentos são feitos. A vida tem a oportunidade de ser replanejada. Perspectivas podem ser corrigidas. Há aquelas bem difíceis, como a dura caverna do desemprego, a aflitiva caverna emocional dos relacionamentos trincados, as torturantes cavernas da enfermidade, do luto, da dor.

Todos nós passamos pela Estação Caverna, alguns mais do que outros. Ilustres personagens bíblicos, como Ló, Sansão e Elias estiveram lá. Davi escreve dois de seus belos Salmos vivendo a experiência da caverna, Salmos 57 e 142. Como fica claro nos casos de Davi (Salmo 142.1) e Elias (1 Reis 19.9), Deus continua visitando cavernas em busca de seus filhos. A caverna de José foi na profundeza do calabouço de Faraó, e,apesar de tudo, “o Senhor estava com José” (Gênesis 39.23).

É, Deus pode ser encontrado até mesmo nas cavernas mais escuras.

Contudo, a pior de todas as cavernas, a mais profunda, escura e solitária, foi vivenciada por Jesus na cruz. Lá,suportando o terrível peso dos nossos pecados sobre si, Ele experimentou a maior escuridão de todas, o abandono de Deus, para que nós, perdoados, pudéssemos andar na luz e nos deleitarmos com o Deus que é luz (1João 1.5). Ninguém passou por caverna pior do que essa.

Graças a Deus, a Caverna não é a estação final. A jornada continua, e todas as estações são em certo sentido saudáveis, pois sempre acrescentam algo ao viajante, enriquecendo-o e preparando-o para outras estações até a estação final.

Boa viagem.